No meu fone de ouvido enquanto escrevo este texto:
Quando eu tinha 12 anos, minha mãe me matriculou num curso particular de Inglês; o ensino do idioma na escola pública onde eu estudava era muito fraco e ela sabia que eu precisaria desta habilidade para o mercado de trabalho quando crescesse. Eu já demonstrava alguma facilidade para a aprendizagem de idiomas, o que fazia minha mãe pagar o curso com gosto, apesar das limitações financeiras. Era uma escola de bairro, instalada num sobrado azul de muro branco baixinho, para onde eu ia todas às terças e quintas à tarde, sem faltas ou atrasos. Eram os dias mais legais da minha semana!
A melhor professora que já tive, a Maria Inez (com Z mesmo!), dava aula para poucas turmas, pois era também a diretora da escola. Era por ela que eu frequentava a escola fora dos horários das aulas. Ela dizia que via em mim um pouco de si quando era jovem: nós duas aprendemos o idioma muito rápido e amávamos compartilhar o que sabíamos. Tínhamos uma conexão especial, sinto. Eu aproveitava para treinar o meu Inglês e ela aproveitava para me contar suas histórias de vida.
Maria Inez estava na casa dos 50 anos, solteira, sem filhos, formada em Engenharia e morava com sua mãe. Na adolescência, fez intercâmbio para os Estados Unidos, para onde voltou inúmeras vezes e onde tinha seus melhores amigos. Ela falava com pesar do coração partido por um homem estrangeiro (não lembro se era estadunidense ou de outra nacionalidade) que, na minha avaliação adulta de hoje, a mantinha longe e perto ao mesmo tempo, mas nunca perto o suficiente para ter um relacionamento funcional saudável.
Uma marca pessoal forte é uma marca pessoal forte
A minha professora era uma Beatlemaníaca. Ela me contava das vezes que os havia visto ao vivo e de seus passeios pela Abbey Road. Ela também contava tudo o que via em suas viagens internacionais. Eu achava tão legal conversar com alguém que havia feito intercâmbio na sua adolescência e que viajava para tantos países, pois minha mãe não tinha dinheiro para me mandar para fora do Brasil. Conhecer outros lugares me parecia um sonho impossível.
A escola toda cheirava à baunilha. Era o “cheirinho de Maria Inez”. Uma vez ela me mostrou um pequeno frasco de óleo essencial de baunilha, que ela usava há anos e comprava fora; era uma gotinha no pescoço e outra no pulso. Quando a abraçávamos, ficávamos também com aquele cheiro de biscoito recém assado.
Ela usava aparelho dentário há décadas, apesar dos dentes retos. Se os retirasse, os dentes voltariam a entortar, por causa do bruxismo. Eu achava graça, pois na minha cabeça de criança - que também usava aparelho - aquilo era coisa de criança, não de adulto.
Sua sala era toda enfeitada, cheia de bibelôs. Pequenos sapos, anjos e bonequinhos de porcelana, vidro e cerâmica enfeitavam as superfícies. Ela era uma mulher dedicada e cuidadosa com tudo.
Apesar de não ter tantas memórias da minha infância no geral, essa foi uma fase na qual construí memórias vívidas. Eu frequentei a escola dos meus 12 até os 16, 17 anos.
Quando me mudei de cidade e iniciei a faculdade, nosso laço passou a se dissolver. Apesar de viver na cidade ao lado, voltei à São Vicente somente mais uma vez, já há muitos anos. Nossas interações ficaram restritas ao Facebook, que eu deixei de usar depois de um tempo.
Hoje, 26 anos depois, é ainda impossível ver, ouvir ou ler qualquer coisa sobre os Beatles e não lembrar do rosto aceso de felicidade de Maria Inez. É impossível sentir o cheiro de um perfume de baunilha, e não me lembrar de seu abraço. É impossível ver qualquer adulta grisalha de aparelho, e não lembrar do seu sorriso colorido. É impossível aprender uma palavra difícil nova e não lembrar de seus ensinamentos. Ela era um baita case de marca pessoal, cheia de particularidades só suas. Como todos nós também somos.
Entrei ontem no Facebook, após um longo tempo, para compartilhar com ela que agora eu escrevo em Inglês para o meu novo projeto profissional, certa de que ela ficaria muito orgulhosa. Foi quando vi um aviso de dezembro informando o seu falecimento. Questionei-me se ela chegou a ver minhas andanças pela Europa e minha transição de carreira pelos posts automaticamente compartilhados no Facebook pelo Instagram. Espero que sim.
Com saudade do que não foi vivido nos últimos anos, busquei o endereço da escola no Google Maps.
Foi neste terreno vazio que comecei a construir sonhos impossíveis; os sonhos que vivo hoje.
Um convite que não tive tempo de fazer a ela, mas que pode servir a você
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Que lindo texto, Tati!! Foi o amor aos meus professores que me faz ser professora também. Ler histórias como essa dá um quentinho no coração. Onde ela estiver, receberá o seu carinho e brilhará mais ainda.
Lindo o texto ❤️ guardo com carinho as professoras que tive ✨